A arquitetura pensada a partir das pessoas: bate papo com Rayane Costa e Angélica Picceli
Até o final dos anos 1990, os padrões vigentes na arquitetura se baseavam principalmente na escola modernista de arquitetura e partiam do pressuposto que a criação do ambiente deveria ser pensada de fora pra dentro, sem considerar a experiência do indivíduo como parte essencial do processo. Questões como acessibilidade e inclusão eram pouco ou quase nada discutidas e os espaços eram pensados muitos mais em seus aspectos estéticos, sem levar em consideração as necessidades das pessoas. Na última quarta-feira, 18 de Agosto, realizamos a terceira live do #MêsDaAcessibilidade, em alusão à Semana Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla. Com a participação da arquiteta Rayane Costa, o bate-papo foi mediado pela arquiteta Angélica Picceli e teve como temática a arquitetura inclusiva, pensada a partir das pessoas. A transmissão ao vivo também contou com a intérprete de LIBRAS, Elen Cunha, traduzindo simultaneamente os conteúdos para garantir sua acessibilidade às pessoas surdas. Angélica, Elen e Rayane durante bate-papo da última quarta-feira, 18/08. Segundo dados do IBGE, no último Censo Demográfico, 23,9% da população brasileira declarou conviver com algum tipo de deficiência. Além disso, a população idosa, que também precisa de adaptações para espaços mais acessíveis, representa mais de 8%. Esses dados apenas reforçam a importância da aplicação do conceito de arquitetura inclusiva, apoiada por norma técnica e legislação federal. Com o intuito de estabelecer uma norma de acessibilidade no meio urbano, a ABNT criou, em 1985, a NBR 9050. Ela é utilizada por arquitetos, construtores, engenheiros e outros profissionais da área, e estabelece critérios e parâmetros para instalação de equipamentos e adaptação de espaços, de forma que se tornem acessíveis para todas as pessoas. Sua atualização aprofunda a discussão sobre acessibilidade, pensando na sua aplicabilidade para proporcionar mais conforto, segurança e dignidade a todas as pessoas. Durante a live, Rayane e Angélica conversaram sobre as semelhanças e diferenças entre os cursos de Arquitetura: atualmente, os cursos de graduação ampliaram o contato com discussões sobre acessibilidade, investiram na inclusão de matérias de arquitetura acessível aos currículos e proporcionam de forma mais presente o conhecimento técnico destes aspectos durante a graduação. Este contato com as questões sobre acessibilidade e inclusão ainda durante a graduação é, sem dúvidas, essencial para a formação de profissionais mais conscientes. As arquitetas destacaram, também, a importância de se conhecer estes princípios técnicos e seguí-los, pois assim é possível projetar espaços funcionais, esteticamente agradáveis e que modifiquem a realidade das pessoas que os utilizam. Assim como estabelece a norma técnica NBR 9050, a acessibilidade deve ser pensada para todos, desde pessoas com qualquer tipo de deficiência, idosos e pessoas com mobilidade reduzida. Além de melhor receber e acomodar a todos e todas, investir na inclusão e acessibilidade dos empreendimentos é algo possível para quaisquer espaços e, conforme destacam as profissionais, configura um diferencial competitivo no mercado. Rayane destaca a Gelateria Il Sordo, de Sergipe, que foi objeto de estudo durante sua pós-graduação em Design de Interiores. A empresa surgiu a partir das ideias de Breno Oliveira, que é surdo e que a partir da sua dificuldade em encontrar um emprego, resolveu empreender. Breno construiu a marca Il Sordo totalmente vinculada à sua própria identidade pessoal, oferendo ao cliente deliciosos gelatos italianos e paletas mexicanas. O atendimento do estabelecimento é feito por uma equipe de pessoas surdas. O espaço possui sinalizações explicando seu funcionamento e não é necessário saber LIBRAS para se comunicar: os clientes gesticulam, apontam o que querem, e o atendimento ocorre muito bem. Quando necessário, os atendentes utilizam celulares, canetas e papel como auxílio, para se comunicarem com os clientes. A Il Sordo valoriza a relação entre as pessoas e o empreendimento tornou-se referência. A Il Sordo conta, atualmente, com 4 unidades em Aracaju e também expandiu-se para Salvador. É um exemplo de que levar a inclusão para dentro dos negócios é uma vantagem competitiva. Além de obrigação por lei, investir em acessibilidade é algo que dá certo. Há uma ideia equivocada de que projetos arquitetônicos acessíveis são caros e difíceis de serem realizados. As arquitetas destacam: isto é um mito! Pensar em acessibilidade nos espaços é prático, possível de ser realizado por qualquer empreendimento e representa um investimento, pois mais pessoas podem ter acesso ao seu estabelecimento comercial. Vivemos uma época em que defender valores, enquanto marca comercial, é muito importante. As pessoas não compram produtos ou utilizam serviços apenas pelos seus benefícios, mas pelos valores que as marcas defendem. A inclusão em todos os âmbitos sociais é importantíssima e, quando defendida pela marca, confere um diferencial a ser percebido pelos consumidores. Angélica e Rayane discutem sobre os principais mitos no que diz respeito à arquitetura acessível: Não é por falta de conhecimento. Os arquitetos hoje têm acesso às regulamentações e discussões sobre o tema ainda durante a graduação. Não é falta de informação e regulamentação. A acessibilidade é uma obrigação legal desde 2004, com a promulgação do Decreto Federal 5296/2004. Já a norma regulamentadora existe desde 1985 e já passou por quatro atualizações: em 1994, 2004, 2015 e 2020. Não é uma questão de custo. Não há grandes diferenças na questão orçamentária entre projetos que seguem os princípios do Design Universal e os que não o seguem. Não é um bom negócio para empreendimentos. Pelo contrário, ao investir em acessibilidade você amplia a possibilidade de receber clientes, atingindo um público consumidor maior e que deseja ser bem atendido. Por fim, as profissionais destacam que estamos em processo de constante desenvolvimento, e é fundamental que os arquitetos discutam estas questões e tenham acesso às informações sobre acessibilidade ainda na graduação. Houve uma mudança no pensamento e, em algum momento dos últimos 20 anos, a arquitetura mudou sua visão sobre os espaços e começou a pensá-los a partir das pessoas. Arquitetos e arquitetas são potenciais agentes de transformação social e suas ações são importante para transformar o conhecimento em ações concretas. “Espero chegar em um dia em que todos os projetos sejam acessíveis.” Angélica Picceli Arquitetos e arquitetas especializados em planejar espaços acessíveis fazem toda a