Em 2023, testemunhamos recordes mensais de temperatura, com projeções indicando que este ano será o mais quente em 125 mil anos. A combinação de mudanças climáticas e o fenômeno El Niño resulta em extremo calor global, marcando uma fase crítica para o nosso planeta.
Em novembro, atingimos pela primeira vez uma variação de temperatura global acima de 2°C em comparação com os níveis pré-Revolução Industrial. O último relatório do IPCC, em 2021, alertou que a Terra está aquecendo mais rápido do que o previsto, projetando um aumento de 1,5°C já na década de 2030. Enfrentamos a realidade de eventos climáticos extremos mais frequentes, impactando mais de 50% da população mundial.
E em um cenário de temperaturas cada vez mais atípicas e elevadas, é comum o aumento da sensação de desconforto térmico, que demanda gastos energéticos para a tentativa de manutenção do conforto. Em territórios com climas quentes, uma parcela bastante expressiva dos gastos energéticos nas edificações é com a refrigeração dos ambientes. Segundo publicação do Procel em 2005 – antes de começarmos a sentir os maiores impactos da crise climática -, 32% da energia elétrica residencial foi consumida com refrigeração. Neste contexto, a arquitetura bioclimática emerge como um farol de esperança, oferecendo respostas inovadoras para minimizar os impactos ambientais.
O que é arquitetura bioclimática?
A essência da arquitetura bioclimática reside na integração harmoniosa com as condições climáticas locais, priorizando a eficiência energética e o uso inteligente dos recursos naturais. Podemos dizer que pode ser uma grande aliada na luta contra a crise climática pois, ao adotar essa abordagem, contribuímos para a redução significativa da pegada de carbono, marcando passos sólidos em direção a um futuro mais sustentável. Dessa forma, o design e a definição de elementos arquitetônicos é pensada para otimizar as relações entre ser humano e natureza, não apenas em relação às questões ambientais mas também no que diz respeito à melhoria das condições de vida, conforto e uso racional das fontes energéticas.
E quando falamos em soluções arquitetônicas, devemos sempre ter em mente que não existe uma abordagem universal para todos os espaços: cada localidade possui seu próprio contexto climático a ser respeitado e compreendido. Tomemos, por exemplo, as distintas realidades do Rio de Janeiro e Brasília, onde a umidade extrema contrasta com o ar seco predominante. Aqui, a arquitetura bioclimática se torna um catalisador essencial para adaptações específicas, promovendo eficiência e conforto.
A influência da sensação térmica em ambientes é afetada por variáveis como temperatura do ar, temperatura radiante média, velocidade do ar e pressão parcial do vapor d’água no ar ambiente. Diferentes combinações dessas variáveis podem produzir a mesma sensação térmica, como observado nas realidades distintas do Rio de Janeiro e Brasília.
Rio de Janeiro e Brasília: diferentes cenários e soluções
Brasília, classificada como clima Tropical de Altitude, apresenta condições semelhantes ao clima tropical úmido durante as chuvas e ao clima tropical seco no período seco. A região do Distrito Federal raramente registra temperaturas negativas, mas a elevada altitude impede extremos de calor. Enquanto isso, o Rio de Janeiro, com seu clima tropical, demanda soluções específicas para cada estação.
Elementos a Considerar:
Na busca por conforto térmico e eficiência energética, aspectos como forma arquitetônica, orientação do edifício, e análise detalhada do clima local são fundamentais. A ventilação natural, proveniente do vento, por exemplo, torna-se um recurso valioso, proporcionando benefícios para a saúde e eficiência energética.
Como destaca Alexandra Albuquerque Maciel,
“Apesar das tipologias arquitetônicas dos edifícios construídos atualmente em Brasília não apresentarem relação com as características climáticas em sua maioria, é possível citar bons exemplos de arquitetura adaptada ao clima. Entre eles, os edifícios da Clínica Daher no Lago Sul, do Edifício da Emater – DF”
Alexandra Albuquerque Maciel
A autora destaca aspectos como a iluminação onde, no prédio, a iluminação natural é satisfatória e, por isso, a iluminação artificial permanece a maior parte do tempo desligada. Além disso, o edifício pode ser caracterizado como de baixa capacidade térmica, com janelas ocupando a maior proporção da área das fachadas e beirais que garantem o sombreamento destas superfícies a maior parte do tempo.
Aberturas na fachada promovem a circulação e renovação do ar interno mesmo com as janelas fechadas. Com isso, o ar penetra pelas aberturas e a existência de divisórias duplas permite que o ar aquecido seja liberado para o exterior pela abertura no centro da cobertura. Além disso, as janelas sombreadas fortalecem a ventilação, graças à existência de uma espécie de “cortina” de vegetação na fachada, que minimiza a incidência de radiação solar direta, principalmente no primeiro piso.
Estratégias Bioclimáticas
Além das soluções específicas do edifício de Brasília, estratégias como o uso de cores reflexivas em superfícies externas e aberturas para ventilação cruzada também podem demonstrar impactos positivos no desempenho térmico.
Antigos costumes e o cenário atual: a influência da arquitetura vernacular
A arquitetura vernacular, baseada em técnicas construtivas adaptadas ao clima local, destaca-se como uma fonte de inspiração. Civilizações ao redor do mundo desenvolveram métodos eficazes, utilizando materiais naturais como o bambu e o barro para aumentar o conforto térmico das habitações.
Civilizações indígenas, amplamente conhecidas por serem conectadas ao seu ambiente, aproveitaram materiais como bambu e argila crua para se adaptar às estruturas do terreno e configurações climáticas. Hoje, podemos ainda perceber influências destas técnicas, com cerca de um terço da população global habitando casas baseadas na terra. A incorporação desses princípios na arquitetura moderna reforça a sensibilidade ao local, sustentabilidade e respeito pela história e cultura e podemos dizer que a arquitetura bioclimática, em essência, é uma ode moderna a técnicas testadas pelo tempo, uma mescla entre inovação e tradição.
Quais os benefícios da arquitetura bioclimática?
Os benefícios da arquitetura bioclimática transcendem a racionalização do consumo de energia. A escolha de materiais regionais e a consideração do contexto climático contribuem para projetos mais eficientes e econômicos. Além disso, a iluminação natural, a ventilação cruzada e outras estratégias proporcionam ambientes saudáveis e confortáveis.
Em suma, a arquitetura bioclimática não é apenas uma tendência, mas uma necessidade urgente diante da crise climática que muitas vezes bebe de fontes históricas e dos saberes do passado. Seu papel na adaptação aos desafios ambientais e na promoção de um estilo de vida sustentável é incontestável pois à medida que enfrentamos temperaturas cada vez mais extremas, a arquitetura bioclimática emerge como a chave para um futuro habitável.
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